Meio&Mensagem

Liderança promissora é sensível e tecnológica

Bom trato com emoções e estados mentais diversos e aceitação dessa variedade de condições devem estar no centro da preparação de líderes capazes de olhar as pessoas de forma integrada e contribuir para sua qualidade de vida

Débora Yuri

16 de março de 2021

Entre as enormes mudanças impostas às relações de trabalho pela crise do novo coronavírus, uma das tendências mais fortes é o conceito de “diversidade ampliada”: aprender a lidar com emoções e estados mentais diversos e aceitar toda essa variedade de condições que as pessoas apresentam. Essa é uma das principais conclusões captadas pela pesquisa “Futuro do Trabalho 2021 – Uma Visão Pós-Pandemia”, estudo proprietário de Meio & Mensagem realizado em conjunto com Cintia Gonçalves, fundadora da consultoria Wiz&Watcher, e Diego Selistre, head de pesquisa e estratégia da Chazz — parceiros do projeto desde a primeira edição, publicada em 2019. Neste ano, o estudo conta com a colaboração de Alexandre Catelan e Pierre Cohen, sócios da empresa de insights e analytics Provokers, e analisa o impacto da pandemia nos modelos de trabalho, nas relações profissionais, em novas políticas e iniciativas das empresas e no perfil dos líderes do futuro. Na parte qualitativa da pesquisa, foram realizados grupos de discussão por videoconferência em dezembro de 2020, com pessoas das classes A, B e C, incluindo trabalhadores de 20 a 30 anos, gestores de 35 a 45 anos e empreendedores de 20 a 45 anos. Na etapa quantitativa, 350 pessoas economicamente ativas, de 18 a 60 anos, de ambos os sexos (50% mulheres, 50% homens), das classes A (6%), B (36%) e C (58%), moradoras de São Paulo, responderam online, em fevereiro de 2021.

Para os participantes do levantamento, “manter o equilíbrio mental e emocional” foi o maior desafio de 2020. Entre quem ocupa cargos de liderança, atribuições ligadas à saúde também figuraram no topo dessa lista: “manter minha equipe saudável mental e emocionalmente”, “transmitir otimismo para o time nos momentos em que me senti exausto e/ou pessimista” e “identificar se as pessoas da minha equipe estavam bem”.

Carreira não linear

Preparar as lideranças para o “próximo normal” é uma realidade em empresas como a Bayer, que adotará modelos mais flexíveis, com os escritórios virando espaço sobretudo para trabalhos em equipe e momentos de coconstrução. “Empatia e preocupação com a saúde e o bem-estar dos colaboradores são impactos positivos e essenciais. A tendência é oferecer soluções direcionadas a necessidades específicas”, afirma Elisabete Rello, diretora de recursos humanos da Bayer no Brasil, para quem o futuro do trabalho será “mais colaborativo, sustentável, digital, diverso e inclusivo”. Ao mesmo tempo, lembra ela, os consumidores esperam que as marcas invistam em ações positivas que impactem a sociedade e construam um mundo melhor. “Inovação e transformação digital serão importantes aliadas, não apenas para agilizar processos e conectar grupos de diferentes regiões como também para criar soluções mais sustentáveis, interna ou externamente.”

A farmacêutica lançou o Diálogos Next Normal, projeto para estimular conversas frequentes das lideranças com suas equipes, subdividido em temas como “olhares inclusivos”, “novas rotinas” e “cenário virtual”. Já o Guia de Experiências da Academia de Líderes 2021 pretende estabelecer uma nova cultura de aprendizagem, a partir de experiências assertivas e metodologias que privilegiem a inovação. A iniciativa está alinhada ao “lifelong learning”, outra tendência de destaque, já que a carreira tradicional, linear, ficou ultrapassada diante da agilidade das transformações.

Inovação verdadeira

Em 2020, a Bayer atingiu índices importantes para suas metas de inclusão: treinou 75% dos líderes em vieses inconscientes e chegou à marca de 50% de mulheres na alta liderança no Brasil — o percentual era de 7% em 2017. Abriu ainda o Liderança Negra, programa de trainee voltado exclusivamente para negras e negros, a exemplo do que fizeram o Magazine Luiza e, mais recentemente, a Folha de S.Paulo. “Durante um ano e meio, os selecionados terão contato com a alta liderança da companhia, além de participar de projetos de impacto, sendo preparados para assumir posições de liderança no futuro”, conta Elisabete. “Buscamos promover um ambiente interno e externo plural, inclusivo e diverso. Acreditamos que só assim é possível fomentar verdadeira inovação.”

Com metas alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e ao Acordo Climático de Paris, a empresa registrou avanços de sustentabilidade: seis fábricas operando com energia renovável e parcerias com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e startups que visam um futuro carbono zero na agricultura. Os principais compromissos da Bayer são tornar os locais de produção neutros para o clima e reduzir as emissões em toda a cadeia de valor até 2030.

Na P&G, uma visão de sustentabilidade ambiental de longo prazo inclui alimentar fábricas com 100% de energias renováveis, usar 100% de materiais renováveis ou reciclados em todos os produtos e embalagens e não depositar resíduos de fabricação em aterros sanitários. A corporação comprometeu-se a ser neutra em carbono durante a década, com projetos como a restauração de parte da Mata Atlântica. “Essa é uma jornada contínua. Por meio da nossa inovação, podemos ajudar a resolver alguns desafios complexos que o mundo enfrenta, firmando parcerias e colaborações”, diz Raíssa Fonseca, gerente de recursos humanos da P&G Brasil.

Mais de 140 nacionalidades estão representadas em sua força de trabalho, e a companhia entende que sua própria diversidade ajuda a refletir e conquistar os consumidores. Um marco para o tema foi o projeto Racial 360°, que promove uma série de ações pró-equidade. Uma delas, a Aceleradora P&G Social, vai desenvolver empresas fundadas e geridas por negros.

Para Elisabete Rello, da Bayer, trabalho será “mais colaborativo, sustentável, digital e inclusivo” (Crédito: Divulgação/Holyver Yoshida)

Busca do “melhor normal”

As marcas da multinacional também estão alinhadas às pautas da sociedade contemporânea. Um exemplo é a parceria da Downy com a startup Molécoola, voltada a realizar logística reversa de recicláveis pós-consumo. Por meio de um programa de fidelidade ambiental, eles se tornam benefícios para os clientes, que podem resgatar vouchers de desconto ou produtos. “Mudamos a forma de fazer publicidade para incentivar conversas importantes e com representatividade, lançando campanhas inclusivas e ativando embaixadores como Thelma Assis, MC Soffia e Tia Má”, conta Raíssa. “A força das marcas pode inspirar mudanças reais e duradouras.”

Internamente, segundo a executiva, a vivência de 2020 fortaleceu a busca por um modelo de negócio mais ágil e produtivo. “Será difícil reverter o trabalho híbrido, justamente porque extraímos da crise aprendizados para que o famoso ‘novo normal’ possa ser um ‘melhor normal’ — um sistema que junte o melhor dos dois mundos.”
Aliada a essa tendência, ela vê as políticas de flexibilidade e bem-estar mais massificadas, uma vez que trazem benefícios ao engajamento e à saúde — física, emocional e mental — dos colaboradores. “Os líderes do futuro se adaptam e têm uma mentalidade de aprendizado contínuo”, avalia. “Habilidade para ser flexível e aplicar uma gestão mais humana também serão pontos valiosos.”

Ganhos da pandemia

De acordo com o estudo de Meio & Mensagem, a empresa do futuro será mais conectada, diversa e com foco no empreendedorismo. Já o líder do futuro será aquele que for capaz de gerenciar e motivar equipes, lidar bem com pessoas diferentes, se preocupar com o lado humano e resolver conflitos. Na fase quantitativa, foi pedido que os participantes escolhessem super-heróis que melhor representam o profissional no futuro do trabalho. Os mais votados apresentam características sócio-emocionais, casos do Professor X (sensível, que motiva diferenças), da série X-Men, e do Homem Aranha (agilidade e equilíbrio emocional), e domínio da tecnologia, representado pelo Homem de Ferro. “A capacidade de gerenciar um time, desenvolver as pessoas e mantê-las engajadas passa por habilidades completamente novas no mundo do trabalho. Empresas e líderes que estão conectados ao hoje e ao futuro já começaram essa jornada”, analisa a estrategista Cintia Gonçalves, uma das parceiras na pesquisa.

Nesse novo cenário, a prática constante do feedback, conectividade e comunicação personalizada se tornam fundamentais, diz Juliano Marcilio, diretor de RH do Bradesco. “No futuro, as lideranças se mostrarão cada vez mais sensíveis e conectadas aos seus times. Acreditamos ainda no aprendizado como principal fator no desenvolvimento dos líderes e, como consequência, na qualidade de gestão de suas equipes.”

No banco, a formação das lideranças conta com a Universidade Corporativa Bradesco (Unibrad), que tem parcerias com escolas de negócios, programas de gestão de pessoas, pós-graduação, MBA, coaching executivo e mentoring. Para Marcilio, a valorização de ambientes diversos e inclusivos, que propiciem as melhores experiências aos colaboradores, com estímulo à inovação e ganhos de produtividade, farão parte do futuro do trabalho. “As empresas e suas lideranças perceberam, talvez de forma definitiva, a importância de olhar o funcionário de forma integrada, contribuindo para sua qualidade de vida.”

Baseado no aprendizado com o home office, o Bradesco foi o primeiro banco de grande porte do País a assumir o compromisso de adotar o trabalho remoto após a pandemia, por meio de Acordo Coletivo de Trabalho realizado com o movimento sindical bancário em nível nacional. Rompida a barreira da desconfiança, maior investimento em ensino à distância será um legado da Covid-19, na visão de Marcilio. Em 2020, a Unibrad desenvolveu cerca de 940 objetos de aprendizagem no formato online, entre cursos, vídeos, podcasts e playlists, alcançando mais de dois milhões de participações.

A empresa inseriu a área de gestão da diversidade no Departamento de RH, tema intrinsecamente ligado à história da organização, como observa o executivo: desde sua fundação, trata-se de um banco de portas abertas, tanto em relação ao perfil dos clientes quanto ao quadro de funcionários. “Claro que estamos também atentos ao impacto positivo da promoção de D&I nos negócios. Já é muito clara a correlação entre ambas e uma melhor performance em vários indicadores de resultado, incluindo lucratividade”, acrescenta ele. “Além disso, diversidade gera inovação, e inovação é fator primordial para a sobrevivência em um mercado cada vez mais competitivo.”

Na fase qualitativa da pesquisa Futuro do Trabalho, foram realizados grupos de discussão por videoconferência, em dezembro de 2020, com trabalhadores, gestores e empreendedores, das classes ABC, de 20 a 45 anos. Um dos exercícios pediu que listassem características desejadas no líder do futuro pós-pandemia. As citações foram divididas em dois grupos principais: humano e tecnológico, representados por Professor X e Homem de Ferro. Outro exercício foi a Dinâmica dos Círculos, em que os participantes que gerenciam equipes apontaram desafios que o período de pandemia impõe aos líderes

Cai o muro geográfico

Outra consequência da maior adoção da tecnologia é que caiu a distância geográfica. Com a flexibilidade dos processos seletivos online, amplia-se a oportunidade para empresas contratarem fora das grandes capitais, diz Suzana Kubric, diretora de RH da Kantar Brasil. “Já estamos estudando a possibilidade de algumas funções que podem permanecer remotas serem ocupadas por profissionais em outros polos do Brasil”, revela a executiva, que aponta relações de trabalho mais humanizadas e consolidação do home office como tendências para o futuro. “Não gastar tempo com deslocamento é algo que vai permanecer, mas acredito que o escritório como ponto de convívio social ganhará um novo valor.”

Uma das companhias da Aliança Sem Estereótipo da ONU Mulheres, a Kantar tem mais mulheres do que homens na liderança sênior. Suzana acredita que, cada vez mais, os líderes vão se empoderar e se responsabilizar pela cultura da organização, tendo uma visão que costuma chamar de “enterprise thinking”. Ela também projeta uma sociedade mais exigente com as corporações, interessada em entender o impacto econômico e social de cada uma delas. “As pessoas agora têm bastante expectativa sobre o papel que a empresa desempenha na sociedade, para além do serviço que ela presta, e os líderes do presente e do futuro são os catalisadores dessa mudança”, analisa. “As práticas do capitalismo consciente se tornarão mais importantes e estarão na pauta do que as pessoas esperam das empresas e dos líderes.”

 

Compartilhe

Publicidade
Publicidade