Meio&Mensagem

Exercício de engajamento

Leandro Caldeira, CEO do Gympass, analisa a relação entre a atividade física e a produtividade, os indicadores de bem-estar corporativo e as tendências de negócios na área

Karina Balan Julio

27 de janeiro de 2020

LEANDRO CALDEIRA
Formado em engenharia mecânica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com MBA em marketing e finanças pela Kellogg School of Management, se tornou CEO do Gympass em agosto de 2017. Atuou durante quase 10 anos no The Boston Consulting Group (BCG). Em posições como consultor e diretor, trabalhou com projetos em setores como bens de consumo, bens industriais, mercado imobiliário, petróleo & gás e telecom.

Em meio à rotina das empresas, políticas de bem-estar podem ser o diferencial na retenção e atração de funcionários. Dentro desse pilar, a startup brasileira Gympass investe no exercício físico como uma ferramenta de conexão entre companhias e seus colaboradores. Avaliada em mais de US$ 1 bilhão, sendo um dos unicórnios brasileiros, a plataforma oferece planos diversificados de atividade física para o mercado corporativo e já está presente em 14 países. Leandro Caldeira, CEO do Gympass, acredita que o crescimento reflete o amadurecimento das discussões sobre saúde no ambiente corporativo. “É uma tendência se preocupar também com o engajamento e bem-estar das pessoas”, avalia. Nesta entrevista, o executivo analisa a relação entre a atividade física e a produtividade, os indicadores de bem-estar corporativo e as tendências de negócios na área.

Meio & Mensagem — Sua chegada ao Gympass envolveu uma transição de carreira, já que você passou muito tempo em consultoria. Como foi essa mudança para uma startup?

Leandro Caldeira — Lembro que quando me formei em engenharia mecânica na Unicamp, pouquíssimas pessoas iam para consultoria. Com o tempo começaram a surgir carreiras nelas e em empresas de tecnologia que não fossem as gigantes multinacionais, como IBM e Oracle, mas companhias com novos modelos de negócios. Uma das coisas que me trouxe para cá foi o fato de que havia poucas empresas brasileiras fazendo o processo de globalização que o Gympass está fazendo, usando tecnologia e novo modelo de negócios. Também tive uma conexão muito forte com a missão da empresa. Sempre tive a atividade física como válvula de escape, mesmo trabalhando intensamente na consultoria. E por último, era uma chance de lidar com o novo. Na consultoria, você sempre está resolvendo um problema complexo e lidando com algo super desafiador. Como o modelo de negócio do Gympass era novo, queria colocar um pouco mais em prática os conselhos que dava para clientes da consultoria.

M&M — A operação B2B representa o maior volume de negócios do Gympass. Por que decidiram investir na venda para empresas, em vez de na para o consumidor final?

Leandro — Todas as startups que estão despontando querem resolver algum problema. No início, o que tentávamos resolver com o B2C era o fato de que as pessoas queriam ir à academia, mas buscavam planos mais flexíveis, porque com a vida mais dinâmica de hoje, é difícil se comprometer com planos anuais. Fomos aprendendo que o tipo de usuário que estávamos atraindo era aquele que via no Gympass a opção de gastar menos, em detrimento da rentabilidade das academias parceiras. Eles cancelavam os planos das academias onde iam e depois voltavam para elas pelo Gympass, porque era mais barato. Essa situação sempre nos deixou inquietos, porque agregávamos pessoas novas, mas canibalizávamos a base de clientes dos parceiros. Era um modelo difícil de equilibrar. Depois, fomos entender a demanda das empresas, e não só do consumidor final em escala. Descobrimos que companhias queriam incentivar a atividade física entre seus funcionários, mas precisavam atender a toda a diversidade de pessoas que trabalham lá dentro. Não bastava estarmos em São Paulo, mas em todas as cidades em que as empresas tivessem pessoas. Precisávamos também ter maior diversidade de gostos e modalidades: começamos com academias de musculação e exercício aeróbico, mas têm pessoas que gostam de danças, lutas, pilates. Fomos provocados pelas empresas a ampliar o leque. Também queríamos fazer algo que atendesse a toda pirâmide de funcionários: o C-level vai querer ir em uma academia sofisticada, mas também tínhamos que dar uma solução para o menor aprendiz, que eventualmente frequenta uma academia simples de bairro. Aprendemos que quando oferecemos toda essa diversidade e a empresa está disposta a investir, conseguimos levar muito mais gente para as academias, pessoas que antes não faziam nenhuma atividade física. Quando trouxemos as empresas para o jogo, otimizamos a cadeia de valor de forma que todo mundo que participa se beneficia. Diria que a participação do B2B no nosso negócio é de praticamente 99%.

M&M — Qual é a relação existente entre a atividade física, produtividade e retenção de talentos?

Leandro — As empresas davam Gympass como benefício adicional, tipicamente aquelas com margem maior, mas descobrimos que a atividade física gera valor também para aquelas com perfil mais operacional. O custo de saúde para as empresas é muito alto. São elas que bancam o custo de saúde da maioria da população. Conforme elas vão controlando um pouco melhor o sinistro de saúde, vão gerando valor para empresa, porque, no fim do dia, a inflação médica é muito alta. A atividade física funciona como prevenção de um jeito bacana, porque engaja as pessoas e atua em saúde de forma agradável e leve. Quem faz atividade física falta menos ao trabalho, então ajuda na queda do absenteísmo. Também vemos que há queda no turnover, porque os pedidos de demissão caem, principalmente em populações operacionais e que têm rotatividade muito alta, como profissionais de call center e varejo. Mais ou menos um terço dos colaboradores de cada cliente nosso praticam atividade física.

M&M — Em que estágio estão as discussões sobre bem-estar no ambiente corporativo no Brasil, considerando as experiências do Gympass com seus parceiros?

Leandro — Historicamente, algumas indústrias já se preocupam mais com o funcionário, como consultorias e mercado financeiro. Eles exigem tanto do funcionário que, para que seu modelo exista, têm que dar muitos benefícios. Há outra parte do mercado, como multinacionais de bens de consumo, que são empresas globais e mais estruturadas, e por isso têm pessoas em nível global pensando em bem-estar e wellness. Nas farmacêuticas isso também já é bastante difundido, porque normalmente elas têm práticas e cultura de wellness bem avançadas. Mas em grande parte das empresas brasileiras é mais complicado, pois normalmente não existe o benefício pelo benefício para o colaborador, principalmente em setores com margem de lucro muito baixa e empresas menores. É difícil o RH entender que investir em bem-estar e saúde mental pode agregar valor ao negócio de fato, e não só ser um peso. É uma transição mais demorada para essas empresas, tipicamente porque o investimento vem muito antes do benefício para o negócio, que vem ao longo do tempo. Mas, no geral, é uma tendência se preocupar também com o engajamento e bem-estar das pessoas.

M&M — Quais práticas, além da atividade física, podem complementar as políticas de bem-estar das empresas na área?

Leandro — Bem-estar não é só atividade física. Há também a preocupação com saúde mental, onde a atividade física ajuda, mas não é só isso, então há parceiros que atuam nisso. Tem ainda a saúde financeira. Principalmente em públicos operacionais, notamos que, se a pessoa está com um problema financeiro, não consegue trabalhar direito. Às vezes ela se enrolou no cheque especial, algo que pode parecer básico para alguém mais instruído, mas, o cara que trabalha de caixa no mercado pode não ter noção. Vejo algumas empresas investindo em educação financeira para colaborador, por exemplo. Outro bloco tem a ver com usar a cultura da empresa para gerar pertencimento, algo que os RHs mais modernos conseguem usar a favor do negócio, e não só como algo para colocar no site para que acionistas vejam.

M&M — Que tipo de KPI pode ser utilizado para medir bem-estar nas corporações?

Leandro — Aqui, fazemos a gestão global de indicadores nos 14 países onde estamos, para que todo mundo seja medido sob as mesmas condições. Já que vendemos bem-estar, queremos ser referência nisso. Os bônus de todos os gestores da empresa estão relacionados a uma pesquisa de clima que fazemos. É uma ferramenta anônima onde todos os funcionários respondem a uma série de perguntas sobre como está a relação com o trabalho. É um bônus que não tem nada a ver com performance. Tem a ver com clima, ambiente e cultura. Pegamos um período inicial e outro final, e a ferramenta traz o que seria um benchmark da indústria, compara nossos índices com os de outras empresas de tecnologia, como Netflix, Apple e Spotify. Essa métrica é gerada por área e atrelada ao bônus dos gestores. Também temos um sinistro de saúde baixo, porque 90% dos nossos funcionários treinam, e o fato de termos colaboradores jovens ajuda.

M&M — Fala-se muito do uso de machine learning e outras tecnologias emergentes para monitorar índices de saúde dos usuários, tanto em nível individual quanto em grupos, algo que pode auxiliar as áreas de recursos humanos. O Gympass tem alguma estratégia nesse sentido?

Leandro — Estamos investindo bastante nisso. Temos pessoas de tecnologia em São Paulo e recentemente abrimos outros dois hubs em Nova York e Lisboa. A ideia é que desenvolvamos soluções mais inteligentes e escaláveis para o negócio, desde o início do processo de vendas, para entender como faremos uma oferta de Gympass ou engajar empresas. Também compartilhamos dados de uso do Gympass com as áreas de recursos humanos dos clientes. Uma companhia com 40 mil funcionários sabe cada um dos CPFs, onde o funcionário está indo e a frequência de atividade física daquela pessoa. O RH precisa de dados para fazer correlações, saber se as pessoas que fazem atividade física estão melhorando em índices da empresa e coisas do tipo. O que não fazemos é compartilhar dados sem consentimento do usuário, como o número de telefone da pessoa, mesmo que seja a empresa dele que esteja pedindo. Como já operamos na Europa e Estados Unidos, há todo um protocolo que não permite que compartilhemos dados sem consentimento.

M&M — Como avalia o desafio das empresas de fomentar uma cultura que valorize a qualidade de vida, considerando as pressões crescentes do mundo corporativo?

Leandro — Não pode ser algo imposto de cima para baixo. Uma vez definidas as questões estratégicas e o que a empresa quer ser, é preciso que seja um processo genuíno. Isso passa pelos líderes agirem de acordo com o que a empresa quer ser, pela comunicação clara e pessoas serem exemplo do que estão falando. Quando um começa a fazer uma coisa, e depois outro, e depois outro, tem um efeito de rede. Noto isso em vários aspectos, e a atividade física é um deles. No começo, quem fazia exercício na empresa era o pessoal que já era mais próximo ao esporte. Ao longo do tempo, outras pessoas que não cogitavam fazer atividade física começaram e apareceram novas histórias dentro da empresa relacionadas a isso. É algo que contagia de forma positiva as pessoas, e vale não só para a atividade física, mas para qualquer comportamento que queiramos disseminar. Hoje, por exemplo, levamos super a sério a questão da diversidade, que é algo que precisamos melhorar, mas que não acontece de repente. Para isso, precisamos coibir qualquer comportamento que seja contra o que queremos ser. No passado, você ouvia piadinhas e esse tipo de coisa, mas quem entrou no Gympass há um ano nem sabe que o ambiente já foi muito diferente. É através do comportamento das pessoas, no dia a dia, que se cria a cultura. Também incentivamos momentos de interação entre as pessoas, para que se exercitem e descubram novas atividades juntas — e incentivamos clientes a fazer isso também. Quando você está lá na aula de spinning, não importa quem é da área A ou B, quem é chefe ou está há pouco tempo na empresa. Isso cria um ambiente legal porque, quando volta para o trabalho, e literalmente já suou com seu colega, se existe um problema entre as áreas, o comportamento será diferente. Em empresas maiores e mais tradicionais isso faz muita diferença, pois geralmente as pessoas estão em um ambiente cheio de armaduras.

“É difícil o RH entender que investir em bem-estar e saúde mental pode agregar valor ao negócio de fato e não só ser um peso, tipicamente porque o investimento vem muito antes do benefício para o negócio, que acontece ao longo do tempo”

M&M — Enxerga alguma tendência para negócios de bem-estar ligados ao ambiente de trabalho?

Leandro — Bem-estar é uma macrotendência, mas hoje existe uma grande ineficiência nesse sentido quando se entra nas empresas. Tem muito espaço para inovação na área da saúde, por exemplo. Temos a bomba-relógio da previdência, e outra que é o custo de saúde. No Brasil, metade do investimento em saúde é pago pelas empresas, então a solução também passará pelas companhias, que arcarão não só com o custo, mas com a busca por soluções no setor. Existe o desafio de regulamentação, mas tem muita oportunidade nessa área, em especial quando falamos de tecnologia para resolver de forma superinteligente algum problema.

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