Meio&Mensagem

Portfólio de mudanças

Sandra Chemin, da FutureYou, analisa como o mercado de comunicação tem se adaptado às novas realidades de emprego

Salvador Strano

20 de janeiro de 2020

SANDRA CHEMIN
Fundadora da consultoria estratégica FutureYou e da rede de empreendedores e start-ups Enspiral, Sandra Chemin é formada em Marketing pela Universidade de São Paulo e bacharel em negócios pela Fundação Getúlio Vargas. Em 2003, decidiu deixar a carreira de executiva da Ogilvy Interactive para morar com o marido a bordo de um veleiro. Anteriormente, havia fundado as agências Hipermidia, de publicidade digital, e Kropki, de design. É, também, embaixadora da comunidade de empreendedores e investidores Edmund Hillary Fellowship, na Nova Zelândia, onde vive com o marido e as duas filhas.

Incertezas são inerentes à vida. Na segunda metade da década de 1990, Sandra Chemin atingiu o que se pode chamar de topo do sucesso profissional e empresarial. Em 1995, foi uma das fundadoras da Hipermidia, uma das agências pioneiras do marketing digital no Brasil, comprada, em 1998, pelo Grupo WPP e adicionada à Ogilvy. Com a incorporação, Sandra passou a comandar a operação da Ogilvy Interactive em toda a América Latina. Até que recebeu uma notícia desestabilizadora: seu marido estava com câncer, com expectativa de vida reduzida para dois anos. Com isso, deixou a agência e caiu no mar para viver em um veleiro com a família. Depois de alguns meses, descobriu que o diagnóstico estava errado. “Mas a mudança já estava feita dentro da gente”, diz. Após trabalhar anos remotamente como consultora, abriu um novo negócio próprio de formação de profissionais para a nova realidade do trabalho, o FutureYou. Nesta entrevista, analisa como o mercado de comunicação tem se adaptado às novas realidades de emprego e, sobre educação, crava: faculdades não devem dizer qual será sua profissão. “O papel da universidade é dar as lentes com as quais você verá o mundo”.

Meio & Mensagem — De executiva de uma grande holding de agências, você embarcou em um período sabático e mais recentemente voltou a empreender. Que lições tira dessas transições?

Sandra Chemin — Minha primeira transição, de uma série delas, foi quando era vice-presidente da Ogilvy, em 2003. Engravidei e meu marido teve um diagnóstico de um câncer. Os médicos diziam que ele teria só dois anos de vida. Foram quatro meses até que descobrimos que o diagnóstico estava errado. Ele não tinha câncer. Só que a mudança interna já tinha acontecido. Estava no fim do meu contrato com a Ogilvy. Quando veio a história da doença, tinha recursos financeiros, conhecimento na bagagem e a oportunidade de me perguntar o que faria se tivesse só dois anos para viver. Meu marido, que é jornalista, tinha muito sonhos guardados. Um deles era morar a bordo de um veleiro. Eu disse sim para uma experiência de três meses. Neste meio tempo, esse período sabático virou dois anos. Tive a sorte de receber salário por um ano para não trabalhar. O que acabou acontecendo foi que o que começou como período sabático, abriu para mim novas formas de viver, trabalhar e ser. Nestes 16 anos, acabei experimentando muita coisa. Sabia que não era mais aquela Sandra que era “ensandrecida”. No fim, foi muito mais uma viagem interna para descobrir o que eu sou e o que me move. Comecei minha consultoria estratégica, depois fui trabalhar com o terceiro setor — segmento que falava muito comigo, mas ainda estava muito verde. Aí fundamos uma escola Waldorf em Paraty. Isso, para nós, foi um grande aprendizado, de deixar de dar as respostas para ser quem facilita um grupo.

M&M — Como surgiu o projeto da FutureYou?

Sandra — Hoje, faço parte de duas redes globais: uma se chama Enspiral, que começou há dez anos na Nova Zelândia. São 150 empreendedores no mundo e faço parte dos acionistas dessa rede. A outra, chamada Edmond Hillary Fellowship, criou um visto para a Nova Zelândia voltado para investidores e empreendedores que querem resolver os grandes problemas do mundo sediados no país. Assim, comecei a me questionar como poderia utilizar minha rede para desenvolver negócios de impacto real. Trabalho remotamente desde 2005. Depois, por dois anos, estruturei a internacionalização da Mesa & Cadeira. Comecei a trabalhar com estratégia e cultura e isso acabou gerando uma quantidade muito grande de pessoas me escrevendo, principalmente depois dos dois TEDs que fiz. Assim nasceu o FutureYou, que me veio com muita clareza de ajudar o maior número de pessoas a achar significado para a forma como as pessoas vivem e trabalham. O FutureYou usa as mesmas ferramentas de inovação que sempre utilizei para desenvolver projetos, só que desenvolvendo a vida das pessoas. Hoje, faço mentoria para pessoas e empresas.

M&M — Como é o conceito de “portfólio de carreiras”, com o qual você trabalha na FutureYou?

Sandra — Da mesma maneira que investidores montam um portfólio de investimentos, que tem como objetivo maximizar o retorno e minimizar o risco. Esse é um dos conceitos básicos do futuro do trabalho. É necessário montar uma cesta de trabalhos: um que dê aprendizado, um que dê estabilidade financeira, outro que te dê impacto. Independentemente de onde você trabalhe, é importante pensar estrategicamente qual a combinação de projetos que te completam como um todo, levando em conta sua vida, o que você quer aprender e o trabalho que você quer fazer no mundo.

M&M — Recentemente, você realizou um projeto de formação de líderes para a Natura. Como foi a sua atuação?

Sandra — Foi o maior projeto que fiz ano passado. Desenhei e conduzi o programa de lideranças da Natura. Levei 133 líderes para a Amazônia. Ao todo, foram quatro turmas ano passado e esse ano terão mais. Foi justamente para desenvolver essa mentalidade de como navegar instabilidade e incertezas. Nesse ambiente em que novas habilidades de lideranças são necessárias, as transformações nunca mais vão parar de acontecer.

M&M — Formatos mais flexíveis, como o seu, exigem diferentes indicadores de performance e mecanismos de feedback?

Sandra — Vivemos uma mudança de paradigma importante: cada vez menos há o líder como o chefe, com hierarquia. Nesse ambiente, cresce a figura do líder como facilitador, que apoia e inspira seu time. Nesse contexto, é muito importante a pessoa saber ouvir, ter empatia e facilitar processos de construção coletiva de soluções. É uma série de questões que não são a performance normal: o quanto ela consegue reconhecer os talentos seus e os da sua equipe, por exemplo. Estão mudando completamente nossas habilidades como profissionais. Os critérios de avaliação de performance precisam ser revistos. Em algumas empresas que trabalho, o recrutamento é feito por um grupo de pessoas. Eles querem uma multiplicidade de visões. A mesma coisa é feita para dar feedback para alguém. Muito da performance daqui para frente será relacionado à sua capacidade de se desenvolver e se relacionar com o seu entorno.

M&M — Então, é cada vez mais necessário desenvolver capacidades emocionais?

Sandra — Hoje em dia, as relações interpessoais e as habilidades humanas são as coisas mais importantes na hora de poder sentir se o profissional está preparado e quanto ele precisa para se desenvolver. Precisamos de uma revolução exponencial nas relações humanas, da mesma forma como já vivemos um período de revolução exponencial tecnológica.

M&M — Como avalia a maturidade das discussões sobre o futuro do trabalho dentro das grandes holdings de agências?

Sandra — Os ambientes das agências, e estou falando com uma visão de um certo tempo, são ambientes de muito ego, de relações muito hierárquicas. Elas precisam rever com urgência esse desenho organizacional e sua cultura. Não é um ambiente que estimula a decisão conjunta. Isso está sendo questionado pelos clientes das agências, que é com quem trabalho muito. Eles estão mais preparados do que as agências para essa transformação no trabalho. Mesmo assim, é algo que eles precisarão rever. O que observo é que há um desafio na mudança cultural para que ela se alinhe a esses novos modelos de organização. Hoje, se você olhar todas as profissões de futuro, o que é relevante num mundo onde computador sabe mais do que pessoas? Tudo que um computador não sabe fazer, que é solução criativa de problemas. A indústria criativa deveria ser pioneira em novos formatos de trabalho. Vejo empresas de comunicação pequenas inovando muito, como a Live e a Mesa & Cadeira, por exemplo. As holdings têm usado estruturas pequenas para experimentar. Mas agora é a hora de levar para as grandes operações. Tem um jeito de fazer isso. Agora, as redes precisam aprender a fazer.

“Vivemos uma mudança de paradigma importante: cada vez menos há o líder como o chefe, com hierarquia. Nesse ambiente, cresce a figura do líder como facilitador, que apoia e inspira seu time. É muito importante a pessoa saber ouvir, ter empatia e facilitar processos de construção coletiva de soluções. Estão mudando completamente nossas habilidades como profissionais. Os critérios de avaliação de performance precisam ser revistos”

M&M — Cadeias globais de talentos podem ser implementadas em grandes escritórios criativos?

Sandra — Essa realidade é completamente adaptável a grandes escritórios. Com a Mesa & Cadeira, eu trabalhava na Nova Zelândia e montava estruturas de equipes que eram os melhores talentos para essa jornada. Hoje, temos a oportunidade de montar a melhor equipe para cada desafio, independente de onde eles estejam. Com esse modelo de times multidisciplinares, é possível se juntar por curtos períodos de tempo para tornar algo tangível e, depois, cada um volta para trabalhar em sua cidade. Há muitos outros modelos de sprint, onde, por curtos espaços de tempo, você monta times para criar algo concreto suficiente para que você possa continuar remotamente.

M&M — Você é fundadora de uma escola Waldorf. Como o modelo de ensino é aplicável ao mercado de trabalho atual?

Sandra — Se estamos dizendo que o trabalho está mudando radicalmente, a estrutura de educação precisa mudar radicalmente. Hoje, temos uma educação conteudista. Se o computador saberá mais do que nós, conteúdo é o que precisa ser ensinado? Desde cedo, aprendemos com provas o que é certo ou errado. Estamos vivendo em um momento de aprender com os erros, que são inevitáveis. Esses modelos que punem o erro não funcionam. Tivemos uma experiência quando moramos em Paraty, onde a educação não falava com nossos valores. Juntamos um grupo de pais para discutir que tipo de educação queríamos para nossos filhos. Um deles tinha uma referência de escola Waldorf, que é baseada no desenvolvimento humano, valorizando muito criatividade e autoconhecimento. Para mim, foi muito significativo descobrir que, no Vale do Silício, os fundadores de grandes empresas de tecnologia mandavam seus filhos para escolas Waldorf – as mesmas que proíbem contato com aparelhos eletrônicos até perto dos 13 anos.

M&M — Já no plano universitário, quais os caminhos e habilidades necessárias para o novo modelo de trabalho?

Sandra — Tenho uma filha de 17 anos, a Clara, que está em fase de escolha de universidade e quis fazer o FutureYou comigo para saber qual instituição cursar. Isso me fez pensar qual o papel da universidade em um momento onde cada pessoa tem seis ou sete profissões na vida. O papel da universidade hoje é dar as lentes com as quais você verá o mundo. Uma das opções que ela está pensando é arquitetura ou design. O designer constrói o futuro, uma coisa de cada vez. Fazer uma faculdade de design hoje é aprender um jeito de olhar o mundo, que é criar o futuro a partir de protótipos. Não é necessariamente dar a profissão que você irá ter. Hoje, é um momento de mundo em que talvez não seja a melhor decisão sair correndo do colegial e fazer a faculdade, o que é muito comum no Brasil. Será que essa pessoa já está pronta? É importante que o jovem se conheça. Se não, ele irá trancar o curso daqui a dois anos. Observo jovens querendo viajar mais, se conhecer mais, e quando vão à faculdade, podem escolher não como uma profissão, mas como jeito de conhecer o mundo. Um exemplo concreto com a minha filha foram os filtros para a escolha dela. Ela quer um campus com uma quantidade grande de faculdades e em uma cidade que seja fácil para quem é vegana. Chegamos a Melbourne. E na universidade de Melbourne eles apresentam uma trilha para quem já tem certeza do que quer estudar e outra para quem não sabe. Nela, é possível cursar dez cursos ao longo da graduação.

Compartilhe

Publicidade