Meio&Mensagem

Encontro de gerações

Mercado de trabalho impõe desafios tanto aos mais jovens quanto aos mais velhos, que, apesar das mudanças tecnológicas, organizacionais e demográficas, ainda nutrem expectativas diferentes em relação a suas carreiras

Karina Balan Julio

6 de janeiro de 2020

O trabalho está na raiz dos maiores avanços e dilemas da civilização. A história prova que, embora sempre tenha feito parte da natureza humana, é inerentemente instável, com modelos que se transformaram radicalmente ao longo do tempo. Nas sociedades tribais, o trabalho respondia a um ímpeto de sobrevivência, quando homens tinham que caçar seu próprio alimento e construir suas próprias vilas. O conceito evoluiu de formas distintas em diferentes culturas, como na Grécia Antiga, onde trabalhar era mal visto e o ócio era o ativo mais valorizado. Na passagem da idade média para a moderna, com a ascensão das religiões protestantes, trabalho virou sinônimo de “vocação divina”, processo que, segundo estudiosos, pode ter acelerado o desenvolvimento do capitalismo. No modelo industrial, séculos depois, passou a ocupar uma parte ainda mais significativa da rotina das pessoas, moldando seu estilo de vida e identidade, mas ainda ligado principalmente à troca da atividade produtiva por salário.

Foi só em décadas mais recentes que “trabalhar por paixão” se tornou algo aspiracional, com processos digitalizados e diferentes caminhos de entrada e transição na vida profissional. O momento atual, porém, é permeado pelo desemprego e pela instabilidade econômica, além da iminência do envelhecimento da população e de transformação tecnológica de diversos setores pela inteligência artificial. Ao mesmo tempo, nunca houve tantas oportunidades para uma carreira flexível, seja pelo empreendedorismo ou novas relações trabalhistas. Esse cenário provoca profissionais de diferentes níveis hierárquicos a repensarem o futuro de suas carreiras, enquanto empresas passam a rever suas estruturas organizacionais.

Para se aprofundar no tema, Meio & Mensagem apresenta, nas quatro edições semanais de janeiro, o projeto especial Futuro do Trabalho, que inclui uma pesquisa proprietária idealizada pela publicitária Cintia Gonçalves e pelo consultor de inovação e consumer insight Diego Selistre, da SEL Histórias de Comportamento. O estudo, realizado de outubro a dezembro de 2019, mesclou metodologias qualitativas e quantitativas, com o objetivo de entender o que pensam profissionais iniciantes e seniores sobre o universo do trabalho. Na parte qualitativa, foram realizados cinco grupos de discussão em outubro de 2019, em São Paulo: dois com jovens da geração Z (entre 18 e 25 anos), que têm até cinco anos de atuação em diferentes indústrias; dois com profissionais da geração X (entre 40 e 60 anos), que acabaram de passar por uma transição de carreira; e um com profissionais da geração X com carreiras estáveis e, no mínimo, dez anos de atuação no mercado em que trabalham atualmente. Na etapa quantitativa, realizada pelo Instituto Qualibest, 428 pessoas responderam online, de 3 a 13 de dezembro, sendo 201 participantes com idades de 18 a 25 anos e 227 com idades de 40 a 60 anos — nos dois casos, de ambos os sexos, pertencentes às classes A, B e C, de nível superior (completo ou não), moradores do estado de São Paulo e trabalhadores de companhias privadas, profissionais liberais, autônomos ou sócios de empresas.

Neste especial de quatro capítulos, Meio & Mensagem apresentará os resultados do estudo, apontará tendências para o futuro do trabalho e analisará aspectos como o impacto das mudanças demográficas sobre os empregos; a evolução das relações de trabalho, com formatos flexíveis; competências e profissões emergentes; e a importância do equilíbrio mental em um contexto de pressões crescentes. Neste primeiro capítulo, o foco são as expectativas das gerações Z e X em relação ao trabalho no futuro, assim como diferenças entre elas no ambiente profissional.

Pesquisa Futuro do Trabalho, de Meio & Mensagem: alguns participantes dos grupos de discussões feitos com jovens da geração Z (entre 18 e 25 anos) e profissionais da geração X (entre 40 e 60 anos)

A perspectiva de mudanças e a incerteza afetam profissionais de diferentes idades. O aumento da longevidade da população, neste contexto, é o primeiro aspecto que pesa nos planos dos profissionais. Em 2030, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, o Brasil terá a quinta população mais idosa do mundo. Além disso, entre 2012 e 2018, o número de brasileiros com 65 anos ou mais subiu 26%, chegando a 21 milhões de pessoas. Se a vida de uma pessoa antes seguia uma trajetória relativamente homogênea, a tendência é que carreiras se tornem cada vez menos lineares. “A vida antes era dividida entre educação, trabalho e aposentadoria. Com o aumento da longevidade, isso se desorganiza, pois aos 60 anos uma pessoa pode estar voltando a estudar, e competindo por uma vaga na faculdade com uma pessoa de 20. Ao mesmo tempo, um profissional de 45 anos pode se tornar aprendiz depois de mudar de carreira, da mesma forma que uma pessoa mais jovem”, afirma Cintia Gonçalves, idealizadora da pesquisa.

Por um lado, o maior acesso à informação abre novas possibilidades de estudo, e por outro, a reforma da previdência estimula que profissionais trabalhem por mais tempo. Assim, eles passam a, cada vez mais, vivenciar carreiras multifacetadas, nutrindo diferentes profissões e relações com várias empresas ao longo da vida. Esse movimento, no entanto, impõe desafios para todas as gerações. Cursar o ensino superior, pós-graduação e trabalhar em uma única empresa pela maior parte da vida, trajetória comum entre profissionais mais velhos, muito provavelmente será exceção entre os trabalhadores do futuro. “A expectativa da geração X era ter um bom trabalho a vida inteira — ter sua casa, carro e estabilidade —, em um roteiro super claro e linear. A geração mais jovem muda de smartphones e plataformas o tempo todo, e isso cria uma nova lógica transitória: as pessoas não querem mais ficar 15 anos no mesmo trabalho até terem uma boa remuneração e se desenvolverem”, diz Juliano Costa, vice-presidente de educação da Pearson, multinacional britânica focada em educação.

A psicóloga Marina Segnine, especialista em orientação profissional, afirma que o trabalho tem valores diferentes para cada geração. Gerações maduras, por exemplo, o encaram como pilar construtor de suas vidas. “Os mais velhos acreditam que é o trabalho que vai lhes dar identidade e fazer com que sejam reconhecidos socialmente. Já os mais jovens tendem a ter outras referências de sucesso”, explica, citando como exemplos os youtubers, que se construíram longe de instituições formais. “A geração mais jovem, embora carregue o discurso da carreira linear, não vê tanto valor no penar do trabalho, pois acredita que a evolução pode acontecer de outras formas e sabe que talvez essa carreira linear não se concretize”, diz. Na parte quantitativa da pesquisa, 62% dos respondentes, considerando diferentes faixas etárias, disseram acreditar que poucas empresas terão estabilidade e empregos de longa duração.

Desafio em comum

Apesar das visões divergentes, profissionais experientes ou mais jovens devem se preparar para um futuro de constantes atualizações e transições de carreira. O ponto comum, não importa a geração, é a dúvida. A pesquisa Futuro do Trabalho mostra que profissionais esperam um mercado de trabalho ainda mais incerto no futuro: 52% dos respondentes da fase quantitativa dizem não saber quais profissões existirão ou deixarão de existir. “Acho que teremos um futuro bem desafiador, que vai exigir que as pessoas se transformem o tempo todo para se adequar às novas demandas”, afirma a analista jurídica Bárbara Campioni, de 24 anos, uma das representantes da geração Z nos grupos de discussão da fase qualitativa.

O investimento de empresas na automação de processos também é uma preocupação para os trabalhadores ouvidos. “As empresas sempre vão pensar em fazer mais com menos, tendem a investir mais em especialistas e cortar gastos. Vão investir em tecnologia e reduzir o número de pessoas”, projeta outro participante, o analista de vendas Vinicius Cardoso Almeida, de 24 anos. Segundo o estudo quantitativo, 71% das pessoas acham que empresas terão menos funcionários no futuro.

Para Ana Paula Assis, presidente da IBM para América Latina, profissionais não devem focar tanto nas profissões que surgirão ou deixarão de existir, mas entender que 100% delas serão modificadas pela tecnologia. “Se você é um médico, um jornalista ou um profissional de marketing, vai ter que aprender como usar novas ferramentas. Todo mundo vai precisar se capacitar, em maior ou menor grau, e isso realmente passa por um desafio grande”, diz (veja a entrevista nas páginas 34 e 35).

Cintia Gonçalves diz que a insegurança em relação à empregabilidade é também resultado de um processo histórico recente, iniciado com a crise de 2008 e acirrado com o alto índice de desemprego desde 2015. “O profissional mais novo provavelmente viu alguém de sua família perder o emprego, e o mais velho já se deparou com essa ameaça em algum momento”, contextualiza.

Entre profissionais da geração X, a pesquisa detectou o medo de serem substituídos pelos mais jovens e de não conseguirem acompanhar a tecnologia. Metade dos profissionais consultados na parte quantitativa acham que a juventude será muito mais valorizada do que a experiência. Quando questionados sobre os sentimentos que associam ao futuro do trabalho, 58% apontaram a curiosidade e esperança, e outros 41%, a preocupação.

Já entre os mais jovens, há uma ansiedade relacionada ao desconhecido. A geração Z também apontou a curiosidade como o principal sentimento associado ao futuro do trabalho (58%), seguida da ansiedade (48%) e esperança (46%). “Será que vou conseguir ser boa o suficiente e conseguir estudar o necessário para conseguir crescer na carreira? Fazer o básico já não serve mais, e isso me assusta um pouco. As pessoas antes tinham uma visão mais fechada do trabalho, e agora vão ter que ter uma visão muito mais ampla”, opina a advogada Camila Conte Cardoso, de 23 anos.

Cintia Gonçalves e Diego Selistre: vida já não se divide em educação, trabalho e aposentadoria

Como consequência da longevidade e da carreira não-linear, outra tendência do mercado é valorizar cada vez mais a vivência e experiências profissionais diversas das pessoas, em detrimento de títulos hierárquicos. “Veremos profissionais jovens e outros mais experientes competindo pelas mesmas vagas”, projeta Cintia Gonçalves. A mesma visão é compartilhada pelos respondentes da pesquisa: 63% disseram acreditar que o futuro será de alta competitividade, e que muitas pessoas lutarão pelas mesmas vagas.

Na flor da idade

Em um exercício projetivo do estudo, profissionais das gerações X e Z foram convidados a se descrever, citar suas qualidades, defeitos profissionais e o que mudariam em suas empresas. Os participantes da geração Z se auto denominaram ágeis e adaptados à tecnologia, porém imediatistas e estressados. “Na minha experiência com essa geração, percebo que eles não veem o trabalho como algo construído cotidianamente, dia após dia”, avalia a psicóloga Marina Segnine.

Sobre o ambiente corporativo, gostariam de ter mais flexibilidade e reconhecimento dos mais velhos, além de desejarem maior integração e contato com pessoas de outras áreas. Também há uma crítica ao que consideram ambientes tóxicos, com rotinas cansativas demais ou culturas pouco receptivas à diversidade. No futuro, esperam ter mais abertura para serem quem são no trabalho. “As pessoas vão ter mais liberdade de ser realmente quem são e colocar a personalidade delas no que elas estão fazendo”, afirma Diogo Pereira Silva, assistente contábil, de 22 anos, participante dos grupos de discussão.

A geração X, por outro lado, se vê como determinada e madura. Porém, se considera pouco paciente, além de ter maiores dificuldades tecnológicas. “O elemento mais complexo para os mais velhos é incorporar a tecnologia, trocar de softwares como quem troca de camisa, como fazem os mais jovens. Porém, esse desafio tem muito mais a ver com a atitude do que com o conteúdo em si”, afirma Juliano Costa, da Pearson Brasil.

Nesse grupo, profissionais em posições estáveis dizem se considerar acomodados e com medo de arriscar, mas também gostariam de mais flexibilidade e processos mais simples nas empresas onde trabalham. Aqueles que acabaram de passar por uma transição de carreira sentem-se bastante otimistas e motivados em relação ao futuro.

Sob o olhar do outro

Nos grupos de discussão, quando perguntados sobre sua percepção sobre a outra geração, participantes da geração Z afirmaram que a geração X é mais burocrática, e, por vezes, não respeita a informalidade e autenticidade dos mais jovens. Também não acreditam que, necessariamente, profissionais mais velhos podem ajudá-los com as demandas do futuro. “Nossos pais, por mais que tenham experiência, não tiveram que lidar com as mesmas coisas”, pondera a jornalista Beatriz Mateus de Oliveira, de 23 anos.
A geração X, por sua vez, vê os mais jovens como muito ansiosos, criticando o ritmo rápido com o qual querem crescer. Também gostariam que valorizassem mais sua experiência. “A perspectiva deles é a do imediato. Eles já entram na empresa pensando que amanhã vão conseguir uma nova posição”, afirma a empresária Mariane Cardoso Macedo, de 42 anos.

Na fase quantitativa da pesquisa, 38% das pessoas da geração Z disseram acreditar que as gerações ainda terão dificuldades em entender umas às outras daqui a 20 anos, em 2040, mas que trabalharão bem juntas em alguns projetos. A geração X é mais otimista: 37% acredita que profissionais de diferentes idades se entenderão bem, e que suas experiências se complementarão. Considerando a amostra total da pesquisa, porém, apenas 7% dos profissionais consultados acreditam que as diferentes gerações trabalharão perfeitamente juntas no futuro.

Um dos esforços das empresas atualmente está em garantir que o conhecimento dos profissionais mais experientes não se perca. Outra pesquisa, da consultoria de recursos humanos Robert Half, descobriu que gestores atuais estão preocupados com a saída de profissionais mais experientes do mercado. Realizada em janeiro de 2019 com 508 executivos brasileiros, a pesquisa identificou que 34% deles se dizem “muito preocupados” com a saída de baby boomers do mercado — aqueles nascidos entre 1940 e 1959.

Apesar disso, 59% já buscam desenvolver equipes multigeracionais e 50% criaram programas de mentoria para aproximar diferentes perfis. Afinal, o futuro do trabalho exigirá que empresas saibam unir talentos de diferentes gerações – o que deve ser encarado como uma oportunidade, em vez de um conflito.

Levi Girardi, CEO da Questtonó: diálogo para reduzir distâncias entre mais jovens e mais velhos

“O que um profissional de 20 anos deseja é diferente do que quer um profissional com 40 anos. O desafio é entender o que é valor para cada um deles”, avalia Levi Girardi, CEO da consultoria de design Questtonó. Além das equipes multigeracionais, a consultoria busca manter um diálogo franco com todos os colaboradores, para que possam expor abertamente suas críticas e demandas. “Todas as sextas, todo mundo da empresa se reúne e as pessoas podem falar do que quiserem, seja um projeto, uma relação de horários ou qualquer outro temam, de forma aberta. Conseguimos resolver muitas coisas com essas conversas, sem ter que levar para a diretoria, por exemplo”, exemplifica, argumentando que esse tipo de processo ajuda a reduzir as distâncias entre profissionais mais jovens e mais velhos.

Além disso, a mentoria cruzada entre profissionais mais velhos e mais jovens tende a ser cada vez mais valorizada nas empresas. “Como diria Voltaire, não há um sábio que não possa aprender e um ignorante que não possa ensinar. Tem havido muita troca entre pessoas jovens que buscam mentoria, aproveitando a experiência e conhecimento dos mais velhos, e profissionais mais velhos que querem absorver o pensamento inovador e experiência dos mais jovens”, considera Juliano Costa, da Pearson. Talvez a única certeza para o futuro seja que as diferentes gerações podem evoluir juntas, deixando de lado as diferenças para desbravar o novo mercado de trabalho.

As menções no Twitter às palavras futuro + trabalho cresceram 80% em 2019 no Brasil, comparando o período de 1º de janeiro a 10 de dezembro dos dois últimos anos

ROTA DESCONHECIDA 

Transformações tecnológicas, envelhecimento da população e políticas  públicas de austeridade ampliam incertezas sobre empregabilidade

Por SALVADOR STRANO

Desde a máquina a vapor, muito se fala sobre os reflexos tecnológicos nas taxas de empregabilidade. Segundo economistas do século XIX, seres humanos se tornariam dispensáveis quando comparados ao poder incansável do carvão incandescente. Em 2020, a automação e a inteligência artificial estão entre as ferramentas que impulsionam as economias globais. Com isso, postos de trabalho efetivamente tornam-se supérfluos: profissionais de telemarketing ou contadores, por exemplo, observam quedas constantes no número de colegas na ativa.

Aprovada pelo Congresso em 2019, a maior mudança já feita na Previdência Social mudou as regras de aposentadoria dos brasileiros

Na Europa da Revolução Industrial, a riqueza gerada, entretanto, foi capaz de conduzir países ricos ao pleno emprego. Mais recentemente, nos anos 1980 e 1990, a ampliação das cadeias globais de produção — onde, ao fabricar um carro, uma montadora recebe o motor de um país, o pneu de outro e o escapamento de um terceiro, todos fabricados com matérias primas de outras nações — levou os empregos das plantas fabris aos países em desenvolvimento de forma agressiva. Assim, economias maduras passaram a concentrar seus postos de trabalho no setor de serviços. Mas não sem um caldeirão social agitado em meio à perda de empregos.

Agora, novos segmentos e profissões passam a ser fonte de renda da população. Entre os principais exemplos desta nova realidade estão plataformas como iFood, 99 e Loggi. O Uber, um dos líderes do segmento de viagens curtas sob demanda, divulgou, em maio, relatório no qual afirmava ter mais de 600 mil motoristas atuando no Brasil. Isso não quer dizer, entretanto, que a qualidade da renda e do trabalho desta nova economia seja superior à ocupação anterior do trabalhador. “Hoje, há um aumento agudo da plataformização e da informalidade, o que comprime a renda dos trabalhadores e distribui a renda de forma injusta”, afirma Ruy Braga, professor pesquisador das relações trabalhistas e chefe do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo.

Ele se refere à chamada “economia gig”, ambiente que compreende trabalhadores temporários, sem vínculo empregatício, como feelancers e autônomos, e empresas que os contratam para serviços pontuais — muitas interessadas em ficarem isentas das leis trabalhistas. Tal cenário é agravado no Brasil por conta da crise que o País atravessa desde 2015. Segundo dados do IBGE, a população desocupada no primeiro trimestre de 2012 era de 7,6 milhões. Já no trimestre encerrado em novembro de 2019, o número era de 11,9 milhões de pessoas.

No período entre 2012 e 2019, as reduções mais agudas na população ocupada ocorreram no setor de agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, com queda de 2,4 pontos percentuais; e na indústria geral e na indústria de transformação, ambas com recuo de 1,7 ponto percentual. Já as áreas que tiveram o maior aumento de participação no conjunto dos empregados foram o setor de alojamento e alimentação, com crescimento de 1,6 ponto percentual; e de administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais, com avanço de 1,1 ponto percentual.

O Ministério da Economia, por sua vez, realiza outro estudo levando em conta apenas a criação ou o encerramento de contratos de carteira assinada. Em novembro de 2019, o último mês com dados consolidados, a economia brasileira criou cerca de 100 mil empregos. Apesar de modesto, este crescimento é o oitavo consecutivo de melhora na criação de vagas. Parte desses contratos, entretanto, não é similar aos firmados no passado. Cerca de 13% está na categoria parcial ou intermitente. Ambas não existiam no início da crise econômica.

“Estamos muito aquém de conquistar a taxa de desemprego que tínhamos antes. Ela foi impulsionada porque a crise foi muito forte com homens e mulheres que eram chefes de família”, afirma Renan Pieri, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas. Isso, explica, faz com que jovens que antes não estavam à procura de emprego entrem na massa de desempregados.

Ministro da economia, Paulo Guedes: política de ajuste fiscal e contensão de gastos

Ruy Braga, da USP, é autor de um estudo no qual afirma que, com investimento de R$ 56 bilhões em contratações emergenciais por órgãos públicos, divididos em quatro anos, seria possível reduzir a taxa de desemprego no País à metade, dos atuais 12% a um índice próximo a 6%. Entretanto, políticas públicas de defesa do emprego por contratações diretas contrariam a política de ajuste fiscal e contensão de gastos, empreendida há um ano pelo ministro da economia Paulo Guedes. Ele é o segundo mais conhecido pela população entre todos os ocupantes da Esplanada dos Ministérios, segundo pesquisa do Datafolha divulgada no início de dezembro. Sua aprovação se mantém estável na casa dos 40% desde abril. Por outro lado, sua reprovação cresceu de 16% para 23%.

“O processo histórico não é natural, ele pode ser modulado pela política pública”, afirma Fernando Ribeiro Leite, professor de economia do Insper. “E há um grupo que precisa de um olhar especial: jovens desempregados, com baixa qualificação”, recomenda.

Os dados do IBGE indicam, ainda, outro grupo vulnerável ao desemprego: os negros, autodeclarados pretos e pardos. Entre a força de trabalho branca, a taxa de desemprego é de cerca de 9%, mas sobe para 13,6% entre os pardos e para 14,9% entre os pretos (ver gráfico na página ao lado). “Sem dúvida, o mercado de trabalho é segregado no Brasil. Os homens negros recebem menos em funções equivalentes. Mulheres negras, ainda menos”, afirma Braga.

O sociólogo coordenou uma pesquisa sobre a satisfação de pessoas com seus empregos. O estudo formulou uma escala sobre o tema que vai de zero a dez, sendo que, quanto menor, mais feliz com seu trabalho. A média da população pontuou 7,2. Mulheres negras, 8,5. Segundo o professor, isso se deve a problemas como alta rotatividade, baixa proteção ao emprego e racismo estrutural das instituições.
Para tentar reverter essa realidade, surgiram nos últimos anos consultorias de recursos humanos especializadas, como a EmpregueAfro. O escritório realiza serviços de contratação de talentos negros, além de retenção e inclusão dos profissionais no ambiente de trabalho. Levantamento interno, realizado em março, apontou que entre as 500 maiores empresas do País que possuem algum tipo de ação afirmativa, apenas 25% trabalham com a temática negra. “O movimento negro conquistou avanços de cotas em universidades e concursos públicos com pressão social, mas nas empresas ainda há muito a se falar”, diz Patrícia Santos, CEO da EmpregueAfro.

No mercado publicitário, a exclusão racial também é um problema. Em 2019, o Ministério Público do Trabalho iniciou um projeto com grandes agências e formalizou um pacto para maior inclusão de profissionais negros e negras. O documento foi assinado por Africa, Artplan, BETC, DPZ&T, F/Nazca, FCB, Wunderman Thompson, Leo Burnett Tailor Made, Mutato, Ogilvy, Publicis, SunsetDDB, Talent Marcel, Tribal, WMcCann e Y&R.

A Wunderman Thompson é parceira da EmpregueAfro em seu projeto 20/20, que pretende chegar a 20% de profissionais negros em funções estratégicas da agência até o fim deste ano. A iniciativa começou na J. Walter Thompson antes da fusão entre as agências. A EmpregueAfro também mantém parcerias com Leo Burnet Tailor Made, Mutato, Cherry e Mirum.

Jornada mais longa

Outra preocupação que a economia gig impõe aos governos é a das proteções sociais aos trabalhadores. A previdência, especificamente, se torna um desafio ainda maior. Isso porque a expectativa de vida da população brasileira aumentou vertiginosamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial (ver gráfico ao lado). Em 1950, a expectativa de vida ao nascer era de 48 anos, em média. Em 2018, esse número chegou a 76,3 anos. Para as mulheres, é de quase 80.

“No correr de sua vida profissional, os trabalhadores precisarão de um olhar específico. Primeiro, porque é mais difícil se inserir no mundo da tecnologia. E, segundo, porque é necessária uma política mais geral de seguridade social — o que, no Brasil, está sendo desmantelada”, afirma Ribeiro Leite, do Insper. Essa visão é compartilhada por Braga, que cita especificamente as reformas Trabalhista, de 2017, e da Previdência Social, de 2019, como exemplos. “Estamos aproximando as condições do trabalho formal ao do informal. Isso terá um efeito relevante na renda das famílias”, afirma.

Caminhos globais

As mudanças no cenário global do trabalho possuem contornos gerais, apesar de tendências locais. Tendo em vista essa realidade, o Fórum Econômico Mundial divulgou em 2018 documento no qual aponta caminhos para que, até 2022, o ciclo da Revolução 4.0 crie mais riqueza e emprego, diminuindo a desigualdade entre países e dentro deles.

Para isso, sugere que os governos renovem suas políticas educacionais, buscando melhorar especialmente o ensino de ciências, tecnologia, engenharia e matemática, e soft skills não cognitivas, como relações interpessoais, por exemplo. O Fórum também indica que se pode estimular a criação de empregos com investimento público e garantias governamentais, e ressalta que há uma “enorme” demanda por infraestrutura, tanto física quanto digital — e é para este fim que os investimentos devem ser direcionados. Recomenda, ainda, que o aumento na receita de impostos advindos da Revolução 4.0 seja usado para ampliar a rede de proteção ao trabalhador, permitindo auxílios aos que passarem por dificuldades de ajuste ao novo modelo de trabalho.

Já para as indústrias e empresas, o Fórum Econômico Mundial diz que é preciso compreender que, com o aumento da competição por força de trabalho especializada, cria-se a oportunidade de financiar o treinamento de seus atuais funcionários para novas e mais bem remuneradas profissões — postos estes atrelados a altas taxas de produtividade. O Fórum ainda sugere que indústrias tradicionais aumentem a importância de plataformas de talentos e profissionais online. Assim, será possível transformar a cultura e o modelo de negócio da empresa. Mas ressalva que é necessário adaptar modelos da economia gig para os quadros de funcionário formais.

Finalmente, para os trabalhadores, o Fórum Econômico Mundial indica caminhos como o de tomar as rédeas de sua própria educação e desenvolvimento de carreira. Mas alerta que, neste cenário de transição, eles precisarão de suporte em períodos de desemprego e de treinamento.

Futuro em movimento


Nesta semana, Meio & Mensagem estreia em suas plataformas digitais o primeiro episódio da série de vídeos Futuro do Trabalho, gravada durante a realização da pesquisa homônima. As entrevistas que compõem os vídeos foram feitas com profissionais participantes dos grupos de discussão do estudo, com os condutores da pesquisa, Cintia Gonçalves e Diego Selistre, além de especialistas em educação, recursos humanos e líderes de empresas. O primeiro episódio discute as expectativas das diferentes gerações em relação ao mercado de trabalho, assim como suas projeções sobre o futuro. A série foi produzida por Meio & Mensagem e pela produtora Play It Again Som&Imagem.

 

 

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