Idealista, mas pragmática
Primeira geração totalmente nativa digital traz desafios particulares às marcas cujas empresas ainda operam predominantemente em modo analógico
Primeira geração totalmente nativa digital traz desafios particulares às marcas cujas empresas ainda operam predominantemente em modo analógico
Embora o mercado tenha falado muito sobre os millennials — a geração nascida entre 1980 e 1994 —, a seguinte, os centennials, ou geração Z, de jovens nascidos entre 1995 e 2010, também já está chegando ao mercado de trabalho e ao mundo do consumo. Com a diferença de que esta é, de fato, a primeira geração totalmente nativa digital, o que deve trazer desafios particulares às marcas cujas empresas ainda operam predominantemente em modo analógico.
Para traçar um perfil da geração Z e suas implicações às companhias, em outubro de 2017, a consultoria McKinsey fez um estudo no Brasil com pesquisas qualitativas e quantitativas. Mas não é a única a olhar para esse público. Também a EY tem feito estudos globais com o intuito de saber se os negócios estão preparados para receber esta nova geração.
Segundo a análise da McKinsey, quatro grandes características definem os jovens da geração Z: identidades indefinidas (não se identificam, na verdade, de uma única forma), serem “communaholics” (inclusão é um assunto sério para eles, que também não se identificam por tribos, mas se mobilizam em torno de causas), abertos ao diálogo (buscam menos confrontos e mais conversa) e realistas (são mais pragmáticos que seus antecessores). “Eles não querem ser definidos por rótulos. É uma geração muito ligada à identidade do indivíduo. Um exemplo é a questão da identidade de gênero, um tema trazido a um limite nunca antes visto”, ressalta Fernanda Hoefel, consultora da McKinsey em São Paulo.
Ela também destaca o fato de esta ser uma geração hipercognitiva, por ter nascido no digital e conectada em rede. Isso também faz com que seja muito analítica com todo tipo de atividade. Uma prosaica ida ao cinema requer checar a avaliação do filme num app, combinar com amigos no WhatsApp e usar o Waze para chegar lá. Embora valorizem propósitos, para os “Gen Zs” ideal é ideal, mas o dinheiro precisa entrar no fim do mês para pagar as contas. “Há um percentual grande deles que vê valor numa carteira assinada”, afirma Fernanda. Isso de certa forma diferencia os centennials de seus antecessores, que valorizavam muito as experiências, buscavam ascender rapidamente numa empresa e não eram muito leais a um emprego. A geração Z também não é leal caso esse emprego não tenha propósitos maiores que o comercial ou esses propósitos não tenham aderência aos seus. Uma das entrevistadas da pesquisa Líderes do Futuro, de Meio & Mensagem, Thayná Santos, estudante da Uninove, confirma tal visão, ao avaliar a forma como os gestores das empresas deveriam atuar: “Sejam mais humanos, não pensem tanto só em resultado, mas pensem nas pessoas. Porque quando você pensa pesna pessoa e a ajuda, o trabalho dela sai muito melhor”, aconselha.
“Todos querem uma carreira recompensadora, em condições de evoluir pessoal e profissionalmente, o que muda é a forma como essa satisfação se traduz”, pontua Oliver Kamakura, sócio de consultoria em gestão de pessoas da EY. A consultoria ressalta que a Z é uma geração que cresceu em um período econômico de turbulências e, por isso, não é de se espantar que tenham mais capacidade de ação e pragmatismo que seus antecessores. Isso se reflete até em seu comportamento em redes sociais. Em vez de seguir celebridades, gostam de acompanhar a vida de pessoas “reais” ou influenciadores digitais que assim lhes parecem ser, como Smosh, PewDiePie ou Ryan Higa (no caso dos jovens americanos, principalmente).
No campo do trabalho, ao contrário de gerações mais velhas, eles desejam processos de avaliação mais frequentes e se preocupam com a questão do acesso de pessoas de diferentes backgrounds sociais, como demonstra Luísa Perottino, aluna da ESPM: “Há pouco acesso de pessoas de classes mais baixas a agências grandes. Eu acho que isso é um problema”, diz. E não é somente disparidade econômica que incomoda os jovens, mas a falta de diversidade de modo geral. “É preciso não ter medo de pegar alguém despreparado e disposição para ensinar, com vontade de cultivar as pessoas. Não podem se esquecer que aquela pessoa está ali para aprender”, alerta Gustavo Carvalho, estudante da Uninove.
Consumidores mais conscientes
Quanto aos hábitos de consumo da geração Z, a consultora da McKinsey aponta que mesmo em relação aos millennials o tema para eles aparece ressignificado. Por terem visto o País passar por uma crise econômica severa e serem mais críticas, já que bastante informadas, as pessoas da geração Z são mais conscientes sobre o ato de consumir e se questionam mais se é mesmo preciso comprar determinado produto — seguindo a tendência que começou na geração anterior, do acesso e não da posse, como na opção de ter o carro como serviço ou de usar streaming em vez de comprar ou alugar DVDs. “Seu comportamento de compra não é pautado somente pela utilidade, mas é concluído após comparar muito com outras opções e sua percepção de diferenciação não vem por meio de campanhas de marketing”, afirma Oliver, da EY, para quem tudo que gera colaboração e impacto social atrai e influencia a percepção de valor da geração Z.
A ética do consumo e a valorização do fator sustentabilidade também são considerados acelerações de um comportamento vindo dos millennials. “Como eles esperam muita transparência, entendem que uma marca não é independente da empresa e indivíduos que lá estão. Esperam que as histórias contadas sejam reflexos de realidades vividas pela empresa”, afirma Fernanda. E essas “histórias reais” só virão se houver, nas empresas e agências, perfis diferentes de pessoas. “A profissão pede muito isso de diversidade. Quanto mais pontos de vista e diversidade houver, maior a chance de criar coisas diferentes”, defende Daniel Ferreira, estudante da ESPM. Na avaliação da EY, destaque para o fato de terem um perfil ambicioso e produtivo o que faz com que, em seu papel de consumidores, busquem processos eficientes e descomplicados. Mais do que os millennials, a geração Z quer que os produtos sejam entregues a eles. E o fato de não se sentirem atraídos a terem de ir buscar um produto em um ponto de venda torna mais difícil para as marcas também chamarem sua atenção. Sua colega da McKinsey acredita, no entanto, que as agências de publicidade e demais empresas de comunicação se não estão preparadas para lidar com isso já estão atentas à importância desses fatores. A valorização da identidade no universo do consumo reflete-se, segundo ela, em personalização, algo que a tecnologia já tem permitido às marcas praticar no marketing e cuja expressão, no aspecto varejo e canais de atendimento, é o omnichannel.
Mckinsey realizou estudos etnográficos e entrevistas em profundidade com 120 jovens do Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Da fase quantitativa, online, foram 2.321 participantes dessas três cidades, mais Florianópolis e Goiânia. Mas, além de pessoas da geração Z, na fase quanti houve outras, com participantes (homens e mulheres) de 14 a 64 anos de idade.