Os “Gen Zs” estão chegando
Recém-ingressados ou prestes a entrar para o mercado publicitário, jovens nascidos a partir de 1995 desejam uma indústria mais coletiva e que assuma mais riscos
Recém-ingressados ou prestes a entrar para o mercado publicitário, jovens nascidos a partir de 1995 desejam uma indústria mais coletiva e que assuma mais riscos
Tão próximos, e ainda assim distantes. Os millennials, esmiuçados à exaustão em pesquisas e reportagens nos últimos anos, foram classificados como nômades que não gostam de passar muito tempo em uma única empresa, questionadores, tecnológicos e atentos para questões sociais como a diversidade. Separadas por algumas casas dentro da década de 1990, mais precisamente 1995, veio a sucessora geração Z, imersa no digital e nas questões de gênero desde muito cedo. Este contexto favorece algumas características comportamentais desses jovens: costumam ter identidade fl uida, são realistas e ativistas mais ponderados. Ao contrário do grupo Y, entusiasta de experiências como festivais e viagens, os nascidos entre 1995 e 2010 preferem o consumo da verdade, a singularidade, o acesso e a ética. No âmbito profissional, divergem da geração anterior por, aparentemente, não terem a necessidade de mudar de emprego com tanta frequência.
O consultor de liderança Bruce Tulgan, autor do livro O Que Todo Jovem Talento Precisa Aprender, afirma que ainda há executivos que não pararam para pensar neste futuro próximo, quando a geração Z representará 20% do mercado de trabalho (já em 2020, segundo a ONU). O estudo Líderes do Futuro, de Meio & Mensagem, que entrevistou 201 pessoas em outubro e novembro, traz luz sobre o que pensam os jovens que elegeram publicidade e propaganda como caminho profissional a ser seguido.
Diferentemente do que se possa pensar, a escolha de carreira não foi inspirada no aspecto glamouroso do mercado: corredores suntuosos repletos de estatuetas dos principais festivais, festas nos barcos em Cannes, nomes na porta da agência. Alguns dos valores associados à atividade citados pelos participantes da pesquisa compõem uma imagem individualista do setor: poder, ambição e ser o melhor. Além disso, mencionam competição, tradição e exclusão como fatores que os repelem da indústria. Por outro lado, são atraídos por quesitos como pessoas, comunicação, inovação e criatividade, o que explica por que desejam trabalhar com publicidade.
Apesar de desaprovarem o que julgam como ambientes de trabalho fomentadores de competividade e individualismo, vislumbram no mercado um potencial transformador e de adaptabilidade. E 91% deles reconhecem, também, que a competitividade é uma característica do mercado. Na opinião de Cintia Gonçalves, sócia e CSO da AlmapBBDO e idealizadora da pesquisa, é possível e necessário que a competição seja saudável nas empresas e nas agências. “O desejo de superação e de movimento é natural e positivo, fundamental para evolução de cada um como pessoa e como profissional. Ter um ambiente desafiador, onde todos busquem o seu melhor é benéfico. O importante é garantirmos, como empresas, por meio de nossos valores e cultura, que o respeito ao outro seja inegociável e que as relações sejam, acima de tudo, éticas. Especialmente no mercado de comunicação, onde somos, sobretudo, ‘resolvedores de problemas por meio da criatividade’ esta competitividade tem de dialogar com colaboração e complementaridade”, afirma.
Essência cultural
O movimento do individual para o coletivo começou a partir do próprio indivíduo, que passou a querer se dedicar mais ao autoconhecimento por meio de terapia, coaching e até mesmo medicinas alternativas, aponta Nelio Bilate, consultor de cultura organizacional e fundador da NB Heart. Este comportamento acabou por influenciar o todo — família, carreira e empresas. “O caminho das empresas é entender e valorizar sua cultura, sua essência cultural, sua ética. A responsabilidade não é do RH, mas dos líderes. O RH leva ferramentas, repertório, arsenal de meios para atingir objetivos. Mas os líderes são aqueles que devem mergulhar nas verdades da empresa, na gestão das pessoas”, afirma.
Não à toa, as empresas de comunicação do futuro imaginadas por estes jovens se assemelham muito mais às consultorias do que às grandes redes de agências. Modelos híbridos, capazes de se adaptarem a necessidades específicas dos clientes para criar soluções integradas são algumas das propostas desenhadas pelos estudantes. E que remetem, aliás, a movimentos que já estão acontecendo no mercado, como o de agências mais enxutas moldando-se conforme o projeto ou, ainda, das que utilizam o gancho da verdade da marca como propósito para garantir uma comunicação que extrapole a divulgação do produto em si — em consonância com a visão dos jovens sobre negócios futuros enfatizarem fatores como o humano sobrepondo-se à tecnologia, o propósito e o coletivo.
A pesquisa Líderes do Futuro indica que a turma que vai liderar o mercado daqui alguns anos irá intensificar esses movimentos. Pois, para eles, a tradição não tem lugar em um segmento que depende da criatividade para sobreviver. Além disso, veem como necessidade inerente a capacidade de as empresas se manterem em constante mudança. Chama a atenção, também, a preferência pelos termos “consultoria” e “comunicação estratégica” em detrimento de “agências de publicidade”. Não se trata de uma mera troca de palavras, mas de uma vontade de quebrar silos e desmembrar departamentos.
Preparando terreno
Apesar das diferenças citadas entre millennials e geração Z, existem muitas semelhanças na maneira como encaram a área de comunicação. Já há alguns anos no mercado, os millennials não apenas são favoráveis a mudanças como apresentam-se como figuras ativas neste processo. De acordo com um levantamento da Heather Watson, 60% da geração Z tem o hábito de pedir feedback ou coaching constante. Essa é uma atitude encorajada pelo diretor de estratégia da R/GA, Felipe Gavronski, e pela estrategista e designer de serviços sênior da Handmade, Nat Andrijic, nos workshops do Self Strategy, um projeto criado pela dupla para ajudar jovens profissionais a planejarem suas carreiras e trabalhos de maneira estratégica. “Falamos para as pessoas hackearem o mercado, não esperarem que seja feito de cima para baixo. Queremos que as pessoas se apoderem deste momento do feed back e o utilizem como ferramenta para crescer”, afirma Nat, que está há sete anos no mercado e diz ter tido a sorte de encontrar bons mentores no meio do caminho. “Sem repostas prontas, mas me apontaram caminhos.”
Felipe, pelo contrário, não topou com a sorte de sua parceira de projeto. Há 11 anos no mercado, ele critica a ausência de planos estruturados nas agências para guiar a equipe. “A primeira vez que vivenciei este aconselhamento de carreira mais estruturada foi quando virei gestor. Uma das premissas do workshop é essa: corra atrás porque ninguém vai fazer isso por você. Não vai acontecer de alguém te contar o passo a passo”, analisa. Além de São Paulo, o SelfStrategy já ministrou work shops no Distrito Federal, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. São dois workshops, um mais focado na carreira em estratégia, e outro que exercita as habilidades de estratégia para não estrategistas. Além disso, a dupla desenvolve projetos in company para ajudar os funcionários da empresa a aplicar olhares mais estratégicos para os negócios.
Humano e diverso
Além de defenderem o lado humano das corporações, esta geração prioriza a diversidade e a considera como tema básico para um mercado criativo e inovador. Notadamente, para eles o assunto não se restringe a gênero, orientação sexual, etnia e PDC, mas também se estende para a inclusão social e a do não experiente. O Cultura Jovem de Perifa nasceu com a intenção de trazer um pouco da periferia para dentro das agências. Mike Mendes e Rafael Moura, respectivamente auxiliar de expedição e account planning assistant da F/Nazca S&S nas contas de Skol, Trident e O Boticário, desenvolveram o estudo com enfoque em Diadema, cidade onde cresceram e vivem até hoje. Depois de três meses de campo, apresentaram os dados colhidos no F/Talks, sessões de bate-papo promovidas pela agência para ampliar horizontes e estimular a criatividade dos funcionários.
Para eles, as agências ainda não estão voltadas para os jovens de periferia, apesar de algumas iniciativas pontuais. “A gente fez uma contribuição interna na F/Nazca, mas sinto falta de representatividade em escolas, alunos e professores, e, claro, cargos de diretoria Brasil afora em qualquer setor da economia”, opina Rafael. Para que isso aconteça no mercado publicitário, as empresas precisam parar de contratar pessoas a partir de indicações internas. “Acredito que certos cargos requerem pessoas mais experientes, por exigirem mais responsabilidades, mas cargos de início podem servir para abrir portas para pessoas menos favorecidas, que vão botar a mão na massa e aprender, ter uma profissão, um caminho a trilhar, um futuro diferente, e vão contrariar a estatística”, diz Rafael. Junto com a inclusão, vem o respeito e a oportunidade de expor opiniões. “Penso que todo mundo tem algo para agregar. E que cada funcionário carrega uma história que é a sua marca”, complementa Mike. Depois de ser apresentado na F/ Nazca, o material passou por clientes da agência, pela Miami Ad School e forneceu conteúdo para uma reportagem realizada pela Vice Brasil.